sábado, 30 de outubro de 2010

O fio... que nos prende ou nos liberta!

No fio, naquele fio perdido no abismo dos sentimentos deve estar aquele brilho que faz falta no olhar, aquela alegria de viver contagiante. Parece que num ápice tudo foi baralhado e a parte mais importante foi escondida pelas formas supérfluas de estar e algo robotizado se apoderou de uma alma que se deixou estar inerte perante tamanha transformação.
É como se de repente as mudanças se tornassem tão cansativas que não valia a pena alterar o decurso da viagem e o passado, esse passado pisado e abandonado com desprezo, tivesse de repente voltado para nos lembrar que existiu e que a distância do tempo não deixa que ele se apague.
O fio...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Hedda


Fonte
Olhar para Hedda como uma mulher à procura de um fundamento, de arma em punho, pronta a defender ou seguir uma ideia até ao fim e a sair vencedora derrotada numa morte contraditória, que funciona como uma coroa de folhas de videira na cabeça de quem perde. Uma mulher determinada a viver uma impossibilidade ou, roubando as palavras ao filósofo alemão Marcus Steinweg, determinada a viver “um sonho com valor de verdade”. E uma mulher que arrasta todos os que vivem em seu redor, questionando-os, desequilibrando-os, pondo-os em causa, como aliás a arte é e deve ser capaz de fazer.
José Maria Vieira Mendes - Excerto de “Sobre o trabalho: Hedda (Gabler)”. In "Hedda": [Dossier de Imprensa]. Lisboa: Artistas Unidos, 2010.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

DUETO PARA UM


Foto de João Tuna

"Stephanie procura resgatar‑se da impossibilidade física que lhe condiciona o acto e o pensamento.
Como a própria afirma, “é impossível mudar esta condição com determinação”. Stepanhie está dependente da inoperacionalidade de um corpo que a projecta na existência – no mundo, lugar do seu refúgio enquanto ser. Confrontada com essa impossibilidade, recusa‑se a aceitar uma outra situação e encaminha‑se para o acto último que a conduzirá à negação da sua manifestação num mundo que já não lhe surge sequer como propósito da própria vida.
O Homem é um ser no mundo – sozinho não existe – e é pela afirmação da vontade que vai adiando a inevitabilidade da morte. Para Stephanie, é precisamente a sua condição humana que impede, agora, que a sua vontade se afirme.
Nesta luta de milhares de anos para ultrapassar a nossa condição biológica, relembramo‑nos constantemente enquanto seres na natureza."
excerto do texto de Carlos Pimenta retirado do programa da peça "Dueto para Um"

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Filme do Desassossego

Fonte
"O meu desejo é de morrer, pelo menos temporariamente, mas isto, como disse, só porque me dói a cabeça. E neste momento, de repente, lembra-me com que melhor nobreza um dos grandes prosadores diria isto. Desenrolaria, período a período, a mágoa anónima do mundo; aos seus olhos imaginadores de parágrafos surgiriam, diversos, os dramas humanos que há na terra, e através do latejar das fontes febris erguer-se-ia no papel toda uma metafísica da desgraça. Eu, porém, não tenho nobreza estilística. Dói-me a cabeça porque me dói a cabeça. Dói-me o universo porque a cabeça me dói. Mas o universo que realmente me dói não é o verdadeiro, o que existe porque não sabe que existo, mas aquele, meu de mim, que, se eu passar as mãos pelos cabelos, me faz parecer sentir que eles sofrem todos só para me fazerem sofrer."
Livro do Desassossego de Bernardo Soares