sábado, 30 de janeiro de 2010

Concerto à la Carte

Imagem retirada do evento no Facebook
A história dos dias da senhora Rasch, quando chega a casa, é assim. Um após o outro, todos iguais, frios, abandonados. A vidinha, como sói dizer-se, na mais crua das rotinas. E no mais pesado dos silêncios. Um desafio particular à expressividade de qualquer actriz: a senhora Rasch não dirá uma única palavra. O alemão Franz Xaver Kroetz retratou, em 1971, a solidão de uma mulher entregue à depressão e à obsessão pelas coisas arrumadas.

Estive 1h30 sentada no Teca, depois de um dia em que me senti enjoada e com dor de cabeça, depois de ter andado algum tempo pelo Porto vestida de noiva e ter-me "posto" para umas dezenas de fotos e posso garantir que isso não me fez ter menos interesse por aquilo que se passou no palco. Apesar do silêncio, apenas quebrado pela TV, pelo programa n.º 56 de Paixões Cruzadas (António Macedo e António Cartaxo) da Antena 1, pelas actividades obsessivo-compulsivas da Senhora Rasch, pela sua ira, pelo seu andar, pela sua presença bem marcada apesar do silêncio. Esta história faz-nos reflectir sobre a nossa própria vida, sobre as nossas actividades rotineiras, sobre aquilo que desejamos e sobretudo sobre a solidão...

"
Concerto à la Carte é a vidinha duma senhora, igual a tantas que moram no apartamento o lado, que se cruzam connosco no supermercado, a quem olhamos sem ver e que morrem sem sabermos e sem elas mesmas darem por isso."
Rui Madeira

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Bomba - Quintas de Leitura


dança Hurra! Arre! (versão Boca de Cena)
Coreografia
de Luís Guerra

Interpretação de Tânia Carvalho e Luís Guerra
Desenho de luz de Anatal Waschke

Hurra!” é apresentado como um “grito de entusiasmo ou saudação, sobretudo em brindes”. Por sua vez, “Arre!” é descrito como “expressão para incitar as bestas a caminhar”. Luís Guerra, que assina a coreografia, responde-nos que este é um brinde à “dança enquanto expressão artística” e que as bestas aqui assumem o corpo de duas bailarinas para nos incitarem a fazer “o caminho dos sentidos”. “Queria criar um ambiente cenicamente simples para destacar os movimentos e a abstracção da própria dança.”
Para mim, muito bem feito, uma sincronização q
ue cativa e mantém o olhar atento do espectador... algum sobressalto... mas dei por mim a querer andar e repetir alguns movimentos.

poeta convidado
valter hugo mãe

leituras Adolfo Luxúria Canibal, Isaque Ferreira, Rui Spranger, Sandra Salomé e Valter Hugo Mãe

"cinco, o menino jesus aprende a falar subitamente, o menino jesus disse, mamã, papá, e correram para ali maria, josé e deus e puseram-se a disputar o melhor lugar para contemplarem a criança. o menino disse, saiam-me da frente, já sei andar e quero ir à terra ver como estão os homens aflitos com as asneiras divinas." valter hugo mãe
O texto, para mim muito divertido e que gostaria de ver e cena, foi apenas "interrompido" que não é bem o termo, pelo violino de Ianina Khmelik que interpretou em 2 momentos distintos: Allemande de Partita n.º2 D Minor de J.S. Bach e Rock violin solo - 1983 - arranjo de canções de Jimmy Hendrix. Nestas 2 pausas por assim dizer, arrepiei-me com aquele som de uma beleza divina ou divinal.
Durante as leituras e música, passaram na tela fotos de Nelson D'Aires, Vencedor do Prémio FNAC "Novos Talentos" em 2006. Nelson é um autodidacta que teve a sua primeira câmara em 2003, um ano depois de ter pegado numa pela primeira vez. Em 2005 deixou o trabalho de 10 para se dedicar aquilo que se revelou num talento. Fez bem, digo eu!
No final da I Parte, Valter Hugo Mãe, falou de si, da sua história, de Mário Cesariny e fez-nos rir com o seu jeito tímido, mas muito humorado de contar como conheceu o pintor e poeta e como eram as suas visitas à casa de Cesariny. Saímos para intervalo, não sem antes ouvirmos 2 parágrafos do novo livro de Valter Hugo Mãe "máquina de fazer espanhóis", lidos com muita emoção pelo próprio, afinal custa sempre falar de quem já se foi. Fica na minha lista de livros.
Na II Parte assistimos ao concerto de Tigrala ((Norberto Lobo, Guilherme Canhão e Ian Carlo Mendonza), que me eram desconhecidos. Confesso que mexeu muito comigo aquele "som", não sei se foi por ter recebido uma mensagem que me deixou bastante tensa, ou apenas porque seria preciso ir mais além para se gostar, por assim dizer, deste género de música. Talvez não tenha essa sensibilidade artística para dizer que gostei, o certo é que fiquei até ao fim.

Fotos de Sara Moutinho retiradas deste site.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Jornalista da vossa beleza


Braga, numa sexta-feira fria, o TUM (Teatro Universitário do Minho) apresenta a poesia de João Negreiros.
A.C. com os seus contactos :-) conseguiu 2 convites e lá fomos. Eu totalmente em branco em relação ao autor!
Os textos são fortes, apaixonados, revoltados, estranhos, profundos... um misto de sensações me invadem especialmente, devo confessar, nas interpretações dos textos feitas por Andreia Dantas.
Apaixonei-me pelo "Quarto crescente" que não coloco hoje aqui pois não comprei esse livro.

Acabei por comprar o "cheiro da sombra das flores" e deixo aqui o texto que me apaixonou e levou à compra.

Dose da fatia de um doce
Dá-me um bocadinho do teu amor
todos os dias
não mo dês todo hoje
que amanhã vou precisar dele outra vez
eu sei
conheço-me bem
e nesse aspecto
sou exactamente como o resto da humanidade
preciso ser amado todos os dias
só espero não morrer muito velhinho
para que o teu amor me dure até ao fim da vida.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Amor

de André Sant’Anna
interpretação
Flávia Gusmão
encenação
Marcos Barbosa
desenho de luz
Pedro Carvalho
assistência de encenação
Diana Sá
produção
Teatro Oficina
Demencial, incontrolável, controverso, grosseiro, electrizante: todos os adjectivos se têm aplicado a Amor, livro de André Sant’Anna.
(...)
O próprio autor notou: “Uma coisa é certa: Amor é bem melhor quando falado, quando lido em voz alta”. Não escapam à sua crítica aguda a academia, as igrejas, os media, a sociedade, os cientistas – todos hipócritas, todos culpados, todos sujos de sangue.
E apesar de aqui colocar aqui a data correcta em que vi a peça por uma questão cronológica, só escrevo sobre ela uma semana depois... por vários motivos e talvez por um em específico: entrei na sala com uma visão do Amor e só voltei a "senti-la" de novo alguns dias depois.
De tudo o que poderia ouvir sobre o tema, aquilo que retive, foram excertos de um texto algo desconcertante: "bucetas" aos milhares; rabos, paus e afins; "criancinhas esguichando sangue", muito sangue; "o Péle e aquela loura"...
Gostei da parte dos 3 porquinhos, porque foi a que mais me faz lembrar o Amor da infância, das historinhas, da ingenuidade!
Valeu o esforço da atriz em falar brasileiro...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Let you go


Nesta vida, desde que nascemos, iniciamos um processo de aprendizagem constante, andamos numa Escola que não se restringe à Licenciatura, ao Mestrado ou Doutoramento... que chega além e cuja classificação nunca é final, apenas de instantes, um 20 hoje, pode ser amanhã um 10.
Certeza temos que apenas tocamos o negativo -1, no instante em que morremos e dali não podemos voltar, mas até lá, um 1 pode transformar-se num 20 desde que aprendamos a ser sempre melhores, que nos saibamos defender das agressões, que amemos e saibamos dar valor às coisas realmente importantes de forma a sermos muito felizes.
Ainda hoje me custa a perceber como em escassos segundos tanta coisa pode mudar, em escassos 30 segundos a terra tremeu e levou cerca de meio milhão de pessoas... como e porquê?!?
Existem tantas atrocidades, tantos desastres naturais ou não, tanta fome e tanta miséria, tanta dor e eu que estou na minha casa, confortável e quente, a escrever no meu iMac tenho o displante de me sentir triste?!
Não percebo... e revolto-me comigo por não ter chorado aquelas mortes e agora chorar porque a TPM existe e nos deixa frágeis, porque ontem tudo foi tão bom que chega a doer com medo de ser irrepetível, porque alguém decidiu respeitar os meus sentimentos quando eu já só queria não pensar que amo, porque depois de tantos anos tive uma semana com um entendimento fora do vulgar, porque existem coisas tão fortes que nos sufoca contê-las e quando no final depois de estarmos rodeados de tantas pessoas voltamos para casa, sós... a única coisa que se sente é uma solidão maior que o mundo lá fora!
Por uma estranha coincidência puseste-me a "ouvir" Michael Bolton e descubro em "One world one Love" (so perfect) a música que me faz encarnar Madalena!
Deixo que a música diga aquilo que eu não sou capaz de dizer... não mais do que já disse estes 7 anos!
Só queria mesmo, mesmo tirar um 20 naquela parte que se chama esquecer o amor que teima em não ir embora... e deixar-te ir!

sábado, 16 de janeiro de 2010

Buika


Numa das nossas muitas conversas surge o nome, Buika...
Pesquisas, youtube e o ouvido fica sensível e apegado à voz...
Cool Jazz Fest numa quinta-feira... impossível para mim, com grande pena.
Jantar, conversa, a música no iTunes... alguém gosta bastante!!
Prenda de Natal, meia prenda também...
Dia 16 guardado para Air desfaz-se e decido ficar pelo Porto.
Eis que chega a segunda-feira e uma flor escreve-me que "Buika vai estar no CCVF este sábado!"
Começa uma sucessão de acontecimentos: eu em conversa com a primeira pessoa que me falou neste nome, a flor, o dono da prenda e a "miss tanto para fazer, mas ainda há lugar para mais uma coisinha" (só porque é sábado) ficamos com lugar garantido no espaço de 20 minutos em que liguei para o Centro Cultural de Vila Flor e alguém muito simpático me explicou que o ideal seria fazer uma compra online. 5... cabemos num carro!
Mas como à nossa volta existe um número considerável de pessoas que se movem em torno da cultura e somos jás uma espécie de família, uma delas vê um vídeo no FB e decide, "também quero!" e o 5 passa a 6 e depois a 7. Bem no fim, quando já só restavam 17 dos 800 bilhetes disponíveis.
Tarde de chuva, mas a euforia imperava... chegamos cedo e seguimos para o bonito Largo da Oliveira em busca de uma bar giro... a fome já apertava... a sede também!!
Rolhas & Rótulos foi escolhido pelos primeiros a chegar e os restantes também lá pararam por outra coincidência! Crasto, tapas, muita animação, boa conversa, um sítio que se aconselha vivamente... 21h20 seguimos para o bonito CCVF!
Cadeiras confortáveis, lugar estrategicamente escolhido, muito boa companhia...
Ivan "Melon" Lewis abre o espectáculo ao piano, depois entra aquela que nos levou ali, para alguns já conhecida, para outros, apenas uma ou 2 músicas, mas aquela voz não nega... todos percebemos o que ali nos tinha levado, "uma força maior"!
A voz poderosa de Buika, vestida de vermelho, confundiu apenas por no cartaz referir que ia ali apresentar a "Niña de Fuego" e o que mais se ouviu foi "El ultimo trago" trabalho mais recente com Chucho Valdés, mas ninguém se sentiu gorado, excepto pelo grande desejo de se ouvir "Volverás" que não foi cantado! Ela Volverá para nos cantar!
A energia inicial de "Vamos dançar!" deu lugar a um pequeno cochilo da nossa miss que foi diversão geral, extra Buika. Tão linda!
Mais um trago e mais uma canção e Buika foi subindo, deixando-nos cada vez mais rendidos...
Para mim uma noite de felicidade, pois reuni pessoas muito importantes na minha vida, porque finalmente vi Buika e porque aprendi realmente aquilo que havia ouvido na voz forte da Buika.

"al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas
y esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón

...
que el amor es simple y a las simples cosas las devora el tiempo
"


E ele foi... deixando-me por agora triste e só... ficou alguém que eu não reconhecia, mas que inexplicavelmente amo (dizer o que é melhor torna-se impossível)...talvez o tempo apague a tristeza e corra com a solidão!!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Febre


"A Febre é um nó por desatar. Um punho fechado: um murro, um coração, um gesto político. Um texto que não se furta ao excesso, à contradição, à dúvida, ao conflito; uma voz que segue assim, aos trambolhões, claríssima, até ao extremo, para lá da margem, para lá da pergunta, até ao próprio limite da identidade.
De um lado, os balões alegres de que todos gostamos, candelabros bonitos, embrulhos maravilhosamente complicados com delicadas jarras de porcelana dentro, caixas que dão suspirozinhos, bailados e óperas, peúgas difíceis de encontrar, amigos divertidos, enfim, a vida, a vida!, a vida que, sim, pois, deve ser festejada. E, do outro lado, a guerra, a tortura, fotografias de cadáveres, o cheiro esquisito das salas de estar dos pobres, a carne nojenta que parece aumentar no nosso prato, os rapazes maus do bairro mau, os países “em desenvolvimento”, a empregada da limpeza que nasceu para ser aquilo e nunca poderá ser mais que aquilo, o medo, o ódio, a loucura, o vómito. De um lado, Juana, a bela guerrilheira, a bela mártir, olhos brilhantes que aprendemos a admirar. E, do outro lado, o gelado descoberto no hotel obscenamente caro do país revolucionário que visitámos por causa de uma tichârte, o gelado viciante e inesquecível, o gelado multicolor que nos há ‑de doer para sempre (mas nunca o diremos, não podemos dizê ‑lo nunca, é segredo, chh).
"…e portanto sim, precisamos de conforto, precisamos de consolo, precisamos de boa comida,
precisamos de coisas boas para vestir, precisamos de belos quadros, filmes, peças de teatro, passeios no campo, garrafas de vinho.” [A Febre]
E, no entanto, aqui não há conforto. Não há, pelo menos, o conforto habitual, o consolo de sempre.
Uma peça que não nos apanha pela “empatia” costumeira das ficções, antes por esta horrível
“cumplicidade” no crime. No crime da injustiça, da desigualdade, da desesperança. No crime da não abolição da morte.
A certa altura, a propósito de marxismo e relações de produção, o protagonista de A Febre dá o exemplo de um homem a abrir uma revista de mulheres nuas. Diz ele que, por trás do código que
é o preço da revista, o que se passa é que o homem pagou para que a mulher tirasse a roupa e se sentisse desta ou daquela maneira perante a lente do fotógrafo; que nada daquilo aparece do vazio, que o homem ordenou e a mulher obedeceu, que cada “produto” contém a sua própria “história”.
A Febre faz isto: fura os códigos, revelando o que está por trás deles, não deixando nunca que nos sintamos apenas, e oh tão confortavelmente, “espectadores”. Não, aqui estamos dentro da “história”, não viemos do nada e não estamos no meio do nada, somos “actores”. E, portanto, em consequência, saindo daqui, não teremos de agir?"

Jacinto Lucas Pires

Um texto que fala da vida, do bom e do mau, do belo e do feio, que é calmo e que se revolta, a meu ver, muito bem interpretado por João Reis, que tanto nos deixa sobressaltados, como nos faz rir.
Saio da sala sentindo que é por aquilo que acabei de ver que venho regularmente ao teatro... saio sempre com um pouco mais do que levei!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Ano do Pensamento Mágico


Viver em Manhattan é um sonho. Viver no Upper East Side é um sonho dentro do sonho. A casa é de sonho e de uma elegância que tem pouco a ver com a vulgaridade das lojas de estilistas nos passeios lá em baixo (Yves Saint Laurent e Tom Ford as mais próximas). O sonho é aquilo que fica, mesmo se já não estão as pessoas que o sonham.

Susana Moreira Marques
Excerto de “Quem é Joan Didion”. In O Ano do Pensamento Mágico

Sexta-feira, um dia como outro qualquer, uma noite fria como as que antecederam, mas foi ali, naquela sala aquecida do teatro, que o frio começou a entrar dentro de mim, apoderando-se dos meus pensamentos e tornando a sensação de perda algo tão real, que saí de lá com saudade daqueles que felizmente ainda me acompanham... porque como Eunice dizia sentada naquele cadeirão imponente "aconteceu-me a mim, mas poderia ter acontecido a qualquer um de vós".
É bem verdade... e quando a dor se torna tão grande, quando a perda se torna tão evidente, não teremos nós a tentação de fugir dela e fingir que nada aconteceu?
"vou deixar os sapatos, porque quando ele voltar vai querer usá-los!"
Temos tendência para manter as coisas daqueles que partiram como se isso fosse o indício mais forte da presença física ilusória.
E espero ter oportunidade de dizer àqueles que amo, ainda em vida:
"Amo-te mais do que apenas mais um dia" assim como fui capaz de te dizer a ti...

domingo, 3 de janeiro de 2010

Coco Chanel & Igor Stravinski

Em 1913, a jovem Coco Chanel começa a se destacar no mundo da moda. Ao mesmo tempo, o compositor russo Igor Stravinski desponta no cenário artístico ocidental. A estréia do balé A Sagração da Primavera, em Paris, arrebata a jovem estilista. Anos mais tarde, já célebre, Coco é devastada pela morte do seu amante, Boy Capel. É quando conhece Stravinsky, recém-chegado a Paris como exilado da nova União Soviética. Coco oferece então sua casa de campo para abrigar o músico e sua família. É o início de uma relação intensa entre os dois artistas.

Título Original:
Coco Channel et Igor Stravinsky
Intérpretes: Mads Mikkelsen, Anna Mouglalis, Anatole Taubman
Realização:
Jan Kounen
Distribuido em Portugal por: ZON Lusomundo
Género: Drama, Romance
Ficha Técnica: Duração: 2hs | Origem: FRA, 2008

retirado do site trailer.com.pt

Dá que pensar a frieza, a objectividade, o rigor de Coco Chanel, um mulher que para mim representa a forma mais crua da liberdade, porque ela era livre, fazia o que queria, não deixando de se encontrar nela uma certa paixão, mas esquecendo em bom rigor, aquilo que se entende por ser feliz!
E aquela conversa no final sobre o dinheiro e a felicidade... sim, o dinheiro não compra tudo e não é sinónimo de felicidade! Prefiro de facto ter saúde, ser feliz a ser rica!

sábado, 2 de janeiro de 2010

Amor físico

Frankfurt by night

"O amor físico não é sempre a eterna repetição do mesmo?
De forma nenhuma. Há sempre uma pequena percentagem de inimaginável. Quando via uma mulher vestida, embora, evidentemente, pudesse fazer mais ou menos uma ideia de como seria depois de despida (...) restava sempre um pequeno intervalo de inimaginável entre a inexactidão da ideia e a precisão da realidade, e era precisamente essa lacuna que lhe tirava o sossego.
(...)
O milionésimo de diferente está presente em todos os aspectos da vida humana e é publicamente desvendado em todo o lado, não precisa de ser descoberto, não é preciso nenhum bisturi para chegar a ele. (...)
Só na sexualidade é que o milionésimo de diferente aparece como uma coisa preciosa, porque não é publicamente acessível e tem de ser conquistado.
(...)
Os homens que têm a mania de mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia que eles próprios têm da mulher tal como elas lhes aparece em sonhos, o que é algo subjectivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objectivo.
A obsessão dos primeiros é uma
obsessão lírica; o que procuram nas mulheres não é senão eles próprios, não é senão o seu próprio ideal, mas, ao fim e ao cabo, apanham sempre uma grande desilusão, porque como sabemos, o ideal é precisamente o que nunca se encontra. Como a desilusão que os faz andar de mulher em mulher, dá ao mesmo tempo uma espécie de desculpa melodramática à sua inconstância, não poucos corações sensíveis acham comovente a sua perseverante poligamia.
A outra obsessão é uma
obsessão épica e as mulheres não vêem nela nada de comovente: como o homem não projecta nas mulheres um ideal subjectivo, tudo tem interesse e nada pode desiludi-lo."
a insustentável leveza do ser de Milan Kundera

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Eu ouviria as piores notícias dos teus lindos lábios*

Serralves em Festa 2008

Ele vestiu-se de cores alegres, trajes de seda compridos, pintou-se cuidadosamente, calçou as sandálias compensadas, colocou as unhas azuis postiças e criou uma imagem inverossímil para se dirigir a todos e contar a história daquela menina. E nem que tudo o resto parecesse irreal, aquela história deixou em mim a marca de que em cada esquina espreita a mudança, por mais inesperada que seja.

"Era uma vez uma linda jovem inocente que vivia numa aldeia perdida no meio dos campos de arroz da região. Ela vivia rodeada de carinho e criava à sua volta um sentimento de alegria, porque lhe caracterizava sempre um optimismo inexplicável, mesmo perante as situações mais penosas. Essa jovem ia crescendo e com ela também os sonhos iam tomando uma forma mais adulta. Deixou a aldeia e mudou-se para a metrópole, conheceu uma nova realidade, fez novos amigos e um dia, sem aviso, deparou-se com aquela sensação de formigueiro na barriga, aquela ânsia de ver e estar com outra pessoa... apaixonou-se pela primeira vez!
Era como se de repente todas as cores se tornassem ainda mais brilhantes, era um brilho no olhar ainda mais forte, era uma vontade de ser cada dia melhor e mais feliz...
O amor trouxe-lhe ainda mais vontade de espalhar à sua volta o optimismo de acreditar que todos os dias podem ser melhores, que todos os dias nos podemos reconstruir e transformar os nossos sonhos em algo concreto, a nossa esperança em certeza!
Mas este optimisto e esta vontade de amar não era acompanhada pelo outro lado que se mostrava sempre renitente a novos passos, a uma realidade em conjunto. Era alguém que estava ali ao alcance dos seus olhos, das suas mãos, mas que não acompanhava a sua vida de perto, que ia e voltava ao sabor do vento, sem que um dia a menina deixasse de sorrir, porque sempre acreditou que o destino a tinha feito apaixonar-se por aquela pessoa e não por outra qualquer! (não que tenham faltado oportunidades antes ou depois)

Aquela pessoa tornou-se uma constante na sua vida, um facto inegável, mas que nunca foi mais do que aquele que vai e volta, que quer e não quer, mas que deixa sempre pregado naquele coração delicado o seu nome.
Depois de muitos anos, a mulher que tinha sido menina, tinha percebido que apesar de todos os seus sonhos se manterem inalteráveis, da esperança em ter algo mais ainda existir, aquela pessoa nunca ia ser mais do que o vento que umas vezes é quente, outras frio, umas vezes é forte, outras apenas brisa, umas vezes quase nos derruba, outras quase nem se sente... mas ela sentia que ia estar sempre lá e disso nunca duvidou!
Um dia, que parecia mais bonito que muitos outros, decidiram fazer uma piquenique num campo de margaridas onde apenas estavam eles e a natureza... Ela estendeu a toalha laranja e todas as coisas que tinha preparado com tanto carinho e ambos se deliciaram antes de se deitarem a olhar para o céu azul, em que as poucas nuvens brancas foram alvo de jogos de imaginação e se transformaram num urso, num pássaro, num cacto...
Até que, após um longo silêncio... ele lhe disse...
- Sabes aquilo que parecia eterno entre nós? Aquela vontade de te ver e estar contigo, aquela magia? Acabou!!
E assim, no meio do campo de margaridas, a olhar para o céu azul, ela percebeu que num instante tudo podia mudar, sem aviso, sem apelo nem agravo... mas que isso não significava que tivesse que deixar de ser o que sempre foi até ali... uma pessoa que irradiava luz e optimismo!
A tristeza existe até naqueles que sorriem sempre, porque a realidade se veste muitas vezes de cores alegres como as daquele campo para nos anunciar as piores coisas!"


E naquele instante percebi que corriam lágrimas pelo seu rosto pintado de branco e rosa, mas o seu vestido continuava a ter as mesmas cores fortes e alegres...


* título do livro de Marçal Aquino