sábado, 10 de julho de 2010

A Pessoa Certa


Rock in Rio 2010
"...esta espécie de encantamento, o estado de ânimo dos apaixonados em eterna espera do amor ausente, é semelhante ao delíquio dos hipnotizados; e o seu olhar lembra o dos doentes que erguendo a custo as pálpebras, despertam do coma. Do mundo estes só vêem um rosto, nada mais ouvem do que um nome.Mas, um dia, acordam.
Olha para mim.
Olham à sua volta, esfregam os olhos. Já não vêem só esse rosto... para ser mais rigorosa, vêem também esse rosto, mas tremido. Vêem um campanário, uma floresta, um quadro, um livro, o rosto de outras pessoa, a finitude do universo. É uma sensação estranha. O que ainda na véspera não se podia suportar, nos doía e queimava por dentro, hoje já não nos faz sofrer. Sentada num banco, sentes-te tranquila. Pensas algo do género: "Frango assado" ou "os Mestres cantores de Nuremberga" ou "preciso de comprar uma lâmpada para o abajur" e esta é a realidade e tudo, isto é igualmente importante.
... 
Ontem ainda queria vingança, ou redenção, querias que telefonasse, que tivesse necessidade de ti, ou que fosse metido na prisão e condenado. Sabes, enquanto sentes isso, o outro regozija-se por estar longe de ti. Continua a exercer poder sobre ti. Enquanto gritares vingança, o outro esfrega as mãos, porque a vingança significa desejo, a vingança é uma forma de constrangimento. Mas chega o dia em que acordas, esfregas os olhos, bocejas,e, subitamente, percebes que não queres mais nada. Nem te faz mal, se o encontras na rua. Se telefona, respondes como se deve. Se quer ver-te e precisas de falar com ele, por favor sente-se. E tudo isto com naturalidade, de modo franco e sincero, sabes... sem nada mais de convulso, doloroso, delirante. O que se passou? Não compreendes. E não queres já vingar-te, não... e compreendes que a única verdadeira vingança, a mais perfeita, está em nada mais quereres dele, nada lhe desejares de mau, nem de bom, não conseguir já fazer-te sofrer.
...
Sofri muito, e julguei, durante um ano que ainda me dava um ataque do coração. Mas uma bela manhã, acordei e descobri uma coisa... sim, a mais importante, que só sozinhos podemos saber.
...
Olha, querida, o Senhor foi rude comigo, mas, simultaneamente, quis fazer-me dom de descobrir a verdade, que eu suportei sem perecer. O que descobri?!... Pois, minha cara, que não existe a pessoa certa.
Um belo dia, acordei, sentei-me na cama e sorri. Não sentia dor. E, subitamente, percebi, que não existe a pessoa certa. Nem na terra, nem no céu. Nem seja lá onde for, podes ter a certeza. Existem somente pessoas, e, em todas elas, um pedacinho da pessoa certa, mas em nenhuma se concentra tudo o que se aguarda e dela esperamos. Nenhuma pessoa reúne em si tudo isso, nem existe a certa, a única, a maravilhosa, essa figura singular que nos traz a felicidade. Existem somente pessoas, e, em todas elas, há escórias e um raio de luz, tudo..."
Excerto de "A Mulher Certa" de Sandór Márai

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