sábado, 10 de abril de 2010

Alguém olhará por mim

"Numa ficção dramática atravessada pela tragédia e pelo humor, pela solidão e pelo amor, Frank McGuinness confronta os “inimigos” exteriores e interiores das suas personagens, condenando‑as – numa espécie de actualização dos mais paradigmáticos Vladimir e Estragon de À Espera de Godot, de Samuel Beckett – a uma sucessão de jogos, de exercícios destinados a passar o tempo e a combater o desespero e as cruéis provações impostas pela sua condição de prisioneiros. São, contudo, estes momentos – em que as personagens escrevem cartas imaginárias, realizam filmes, recordam corridas de cavalos, conduzem um carro pelos ares, entoam canções ou jogam uma partida de ténis – que erguem o dispositivo metateatral à condição de mecanismo transformador da identidade: desafiando em paralelo os estereótipos nacionais e os estereótipos de género, o dramaturgo explora as possibilidades performativas da imaginação, o impulso natural para a ficcionalização, para desse modo justificar as transformações por que passam as personagens."
...
"“Someone to Watch Over Me”, de 1926, imortalizada em vozes tão distintas como as de Ella Fitzgerald ou Frank Sinatra – é a de que haverá sempre alguém a olhar por nós: trata‑se de uma ideia esperançosa e estimulante,
infelizmente contradita por alguns acontecimentos da própria peça, como a morte de Adam, mas também reforçada pela dinâmica gerada com a sua ausência."

Paulo Eduardo Carvalho excerto do Manual de Leitura da peça



O título desta peça é deveras sugestivo, afinal todos nós, mesmo os mais independentes como eu (me considero), desejamos ter alguém que olhe por nós.
A ideia base é que no final, ficamos com a noção, que temos nós mesmos de estar lá por nós, pois em muitas ocasiões estamos tão sós como os 3 personagens da peça. Eles só se têm a si, às suas histórias, às suas partilhas, para iludir o tempo que passa lá fora, fora da "prisão" onde se encontram!
É muito interessante perceber como a falta de distração nos leva a partilhar coisas tão íntimas, nos obriga a criar histórias para embelezar a realidade e afugentar o medo, torna 3 perfeitos estranhos e 2 aparentes rivais (inglês e o irlandês pela conjuntura política e religiosa) em quase cúmplices, porque no final somos todos seres humanos e naquele caso em semelhante situação.
Foi a peça mais intimista que vi, num espaço místico e com uma iluminação que nos faz sentir menos espectadores e quase tão prisioneiros como o irlandês, o inglês e o americano (a lembrar as anedotas "era uma vez um inglês, um irlandês e um americano numa cela..."), excepto na parte final em que nos levantamos, aplaudimos e saímos tão livres como antes... bem, livres fisicamente, mas não de pensamento.

2 comentários:

mou disse...

um dos maiores medos do humano...

Lou Salomé disse...

Medos todos temos, alguns até maiores do que este! A vitória está em sabermos ser sempre maiores do que qualquer medo...