quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Facas nas Galinhas


Esta história nasceu da ideia que David Harrower tinha no início de que, para se ser autor de teatro, era preciso estar-se muito zangado.
Depois de ter escrito a sua primeira peça com base na "zanga" que tinha chegou à conclusão que a mesma era má.
Como antídoto para esse desastre,  começou a escrever "Facas na Galinhas".

"A história inicial parte do que passei a saber sobre os moleiros. Os moleiros na Escócia eram muitas vezes postos de parte pela comunidade porque, como se diz no texto, existia uma lei que concedia ao moleiro uma percentagem da farinha que lhe era mandado moer. Os camponeses suavam no trabalho para conseguir o milho e o moleiro assobiava enquanto a mó trabalhava. E ainda por cima tinha direito a uma percentagem do suor do camponês. Inventei então a história de uma rapariga que, de cada vez
que vai ao moinho, se apaixona mais pelo moleiro.

(...)
Quando parti para a peça, comecei a imaginar como seria viver num mundo onde só se tivesse certas palavras para certas coisas. Céu era céu e não era mais nada. Se o céu está escuro, então diz‑se
chuva. Não há advérbios, palavras que descrevam. Inventei uma língua, as personagens falam como se tivessem acabado de aprender a falar. Foi aqui que apareceu o outro elemento de Facas nas Galinhas. Passou a ser uma história tanto sobre o crime e o amor como uma história sobre a linguagem.
A escrita desta peça permitiu‑me fazer duas grandes descobertas que marcam hoje a minha escrita. A primeira está relacionada com a linguagem. Escolhi não utilizar a linguagem realista, porque as personagens têm de ser mais do que são, têm de ir além de si próprias, têm de ser metafóricas. Não sei
se ainda acredito nisto, mas na altura convenci‑me de que a história não pode ser apenas uma história, mas que tem de ter qualquer coisa para além dela.
A segunda descoberta foi a estrutura. Aprendi a estruturar e isso é uma das coisas mais importantes na escrita."

* Excerto de “Há um segredo no coração de cada cena” David Harrower. Artistas Unidos:Revista. N.º 4 (Abr. 2001). p. 2‑4.

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