sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Mãe


Em A Mãe, a relação está invertida: é o filho que, espiritualmente, dá à luz a Mãe. Esta reversão da natureza é um grande tema brechtiano: reversão e não distribuição; a obra de Brecht não é uma lição de relatividade, de estilo voltairiano: Pavel desperta Pelagea Vlassova para a consciência social (aliás, através de uma práxis e não através de uma fala: Pavel é essencialmente silencioso), mas isso é um parto que só corresponde ao primeiro alargando ‑o.
(...)
Na ordem burguesa, a transmissão faz ‑se sempre do ascendente para o descendente: é a própria definição de herança, palavra cujo destino ultrapassa muito os limites do código civil (herdam ‑se ideias, valores, etc.). Na ordem brechtiana não há herança, senão invertida: morto o filho, é a mãe que o retoma, que o continua, como se fosse ela o jovem rebento, a nova folha chamada a desabrochar.
(...)
E contudo, há nela toda a “emoção”, condição sem a qual não há teatro brechtiano. Vejamos a representação de Helene Weigel
(mulher de Bertolt Brecht e que interpretou "A Mãe" em 1932)
, que tiveram a ousadia de achar demasiado discreta, como se a maternidade não fosse senão uma força de expressão: para receber de Pavel a própria consciência do mundo, ela torna ‑se, em primeiro lugar, “outra”; no princípio, ela é a mãe tradicional, a que não compreende, que reprova um pouco, mas que serve obstinadamente a sopa, que passaja a roupa; ela é a Mãe ‑Criança, isto é, toda a espessura afectiva da relação está preservada. A sua consciência só eclode verdadeiramente quando o filho morre: ela nunca se junta a ele. Assim, ao longo de todo esse amadurecimento, uma distância separa a mãe do filho, lembrando ‑nos que esse itinerário justo é um itinerário atroz: o amor não é aqui efusão, é essa força que transforma o facto em consciência, depois em acção: é o amor que abre os olhos. Será, então, preciso ser ‑se “fanático” de Brecht para reconhecer que este teatro queima?

* Excerto de “Sobre A Mãe de Brecht”. In A Mãe. Almada: Companhia  de Teatro de Almada, 2010.
(Textos d’Almada; 40). p. 20 ‑21. 
As 2h30 passaram  sem que se desse conta, é uma história de luta, de esperança que nos faz acreditar no poder da união, na luta de classes e que essa luta não tem idade. Pelagea Vlassova era imagem da força, da persistência que não se deixou derrubar pela morte do filho e que continuou a lutar por aquilo em que acreditava até ao fim... Teresa Gafeira vestiu "A Mãe", a meu ver, de alma e coração!

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