sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Eu ouviria as piores notícias dos teus lindos lábios*

Serralves em Festa 2008

Ele vestiu-se de cores alegres, trajes de seda compridos, pintou-se cuidadosamente, calçou as sandálias compensadas, colocou as unhas azuis postiças e criou uma imagem inverossímil para se dirigir a todos e contar a história daquela menina. E nem que tudo o resto parecesse irreal, aquela história deixou em mim a marca de que em cada esquina espreita a mudança, por mais inesperada que seja.

"Era uma vez uma linda jovem inocente que vivia numa aldeia perdida no meio dos campos de arroz da região. Ela vivia rodeada de carinho e criava à sua volta um sentimento de alegria, porque lhe caracterizava sempre um optimismo inexplicável, mesmo perante as situações mais penosas. Essa jovem ia crescendo e com ela também os sonhos iam tomando uma forma mais adulta. Deixou a aldeia e mudou-se para a metrópole, conheceu uma nova realidade, fez novos amigos e um dia, sem aviso, deparou-se com aquela sensação de formigueiro na barriga, aquela ânsia de ver e estar com outra pessoa... apaixonou-se pela primeira vez!
Era como se de repente todas as cores se tornassem ainda mais brilhantes, era um brilho no olhar ainda mais forte, era uma vontade de ser cada dia melhor e mais feliz...
O amor trouxe-lhe ainda mais vontade de espalhar à sua volta o optimismo de acreditar que todos os dias podem ser melhores, que todos os dias nos podemos reconstruir e transformar os nossos sonhos em algo concreto, a nossa esperança em certeza!
Mas este optimisto e esta vontade de amar não era acompanhada pelo outro lado que se mostrava sempre renitente a novos passos, a uma realidade em conjunto. Era alguém que estava ali ao alcance dos seus olhos, das suas mãos, mas que não acompanhava a sua vida de perto, que ia e voltava ao sabor do vento, sem que um dia a menina deixasse de sorrir, porque sempre acreditou que o destino a tinha feito apaixonar-se por aquela pessoa e não por outra qualquer! (não que tenham faltado oportunidades antes ou depois)

Aquela pessoa tornou-se uma constante na sua vida, um facto inegável, mas que nunca foi mais do que aquele que vai e volta, que quer e não quer, mas que deixa sempre pregado naquele coração delicado o seu nome.
Depois de muitos anos, a mulher que tinha sido menina, tinha percebido que apesar de todos os seus sonhos se manterem inalteráveis, da esperança em ter algo mais ainda existir, aquela pessoa nunca ia ser mais do que o vento que umas vezes é quente, outras frio, umas vezes é forte, outras apenas brisa, umas vezes quase nos derruba, outras quase nem se sente... mas ela sentia que ia estar sempre lá e disso nunca duvidou!
Um dia, que parecia mais bonito que muitos outros, decidiram fazer uma piquenique num campo de margaridas onde apenas estavam eles e a natureza... Ela estendeu a toalha laranja e todas as coisas que tinha preparado com tanto carinho e ambos se deliciaram antes de se deitarem a olhar para o céu azul, em que as poucas nuvens brancas foram alvo de jogos de imaginação e se transformaram num urso, num pássaro, num cacto...
Até que, após um longo silêncio... ele lhe disse...
- Sabes aquilo que parecia eterno entre nós? Aquela vontade de te ver e estar contigo, aquela magia? Acabou!!
E assim, no meio do campo de margaridas, a olhar para o céu azul, ela percebeu que num instante tudo podia mudar, sem aviso, sem apelo nem agravo... mas que isso não significava que tivesse que deixar de ser o que sempre foi até ali... uma pessoa que irradiava luz e optimismo!
A tristeza existe até naqueles que sorriem sempre, porque a realidade se veste muitas vezes de cores alegres como as daquele campo para nos anunciar as piores coisas!"


E naquele instante percebi que corriam lágrimas pelo seu rosto pintado de branco e rosa, mas o seu vestido continuava a ter as mesmas cores fortes e alegres...


* título do livro de Marçal Aquino

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